"Nada é mais deficiente que o preconceito!"

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CMT falada na primeira Pessoa por John Nascimento

CMT é a sigla para a doença neurológica de Charcot Marie Tooth e tem o nome dos três médicos que identificaram os sintomas. Essencialmente, trata-se de uma condição degenerativa dos membros periféricos e em alguns casos mais extremos chega a atrofiar também outros músculos; tal como cordas vocais, faciais, pulmonares entre outros. No meu caso, foi uma mutação genética e tenho um dos tipos de CMT mais agressivos. Ou seja, em vez de ser uma degeneração gradual iniciando-se depois dos 50 anos, onde lentamente se vai perdendo força, o meu CMT manifestou-se logo aos três anos de idade.

Tive uma infância, segundo as convenções sociais, ‘normal’ onde andei de bicicleta, jogava futebol e até ganhei uma taça de natação! Mas sempre houve algo que sobressaísse. Eu não era muito de arriscar; por exemplo, pular três degraus de uma vez só ou de subir uma arvore não era para mim. Talvez fosse cauteloso. Mas meus pais achavam que era cuidado a mais.

Seguiram-se então as consultas e exames médicos, e confirmou-se o suspeitado. Tinha (e tenho) CMT. E com isso, naturalmente, veio uma mudança de vida, não apenas para mim mas também para meus pais e irmã, as pessoas com quem mais partilhava a vida. Confesso que foi algum tempo de ajustes e mesmo hoje 30 anos depois do acontecido ainda temos questões, dúvidas e receios. Parece que CMT é daquelas condições que ainda não está completamente desmistificada em termos médicos, sociais e culturais.

Em termos científicos ainda tem muito a fazer porque embora seja uma daquelas doenças que afecta uma pessoa em 2500 mantém-se desconhecida e frequentemente mal diagnosticada. Em termos sócias é uma batalha que lenta muito lentamente tem sido descoberta. Ainda tem muito a fazer, principalmente no que diz respeito a leis para permitir que pessoas como eu, com outras deficiências, possamos integrar de forma participativa na sociedade. Para isso, por exemplo, teria que ter acesso a certos lugares de trabalho ou lazer. Em termos culturais, gostava muito de ver que os olhares fossem diferentes, que as palavras não fossem muitas vezes condescendentes. Sei que não é por mal quando alguém olha para mim com aquele olhar de ‘pena’ e pergunte à pessoa ao meu lado se eu falo, ou então dirija-me uma palavra como se eu tivesse 2 anos.

Não vou dizer que é fácil viver com CMT ou qualquer outro tipo de deficiência, mas é como tudo na vida. Temos que fazer sacrifícios e reconhecer que estamos todos sujeitos a adquirir uma deficiência. Ao incluir as pessoas com deficiência na sociedade estão a investir no futuro de todos nós.

Gostava de terminar partilhando um dos meus poemas preferidos, que serve para reflexão…para todos nós…com CMT ou não.

Phoenix

Out of my ashes
will rise a new phoenix.

A soaring being
returning from death
proving once again
that life is eternal.

I live forever
because the spirit
never dies.

I will return
in another body
in another time,
but it is me.

The me who is me now
will always be.

As long as I live,
I learn.
And I live
F o r e v e r

CMT – A visão da Medicina Física e de Reabilitação

A Reabilitação é um processo global e dinâmico orientado para a recuperação física e psicológica da pessoa portadora de deficiência, tendo em vista a sua reintegração social.

Está associada a um conceito mais amplo de saúde, incorporando o bem-estar físico, psíquico e social a que todos os indivíduos têm direito.

Para uma plena realização, as acções de reabilitação devem abranger campos complementares, como a saúde, a educação, a formação, o emprego, a segurança social, o controlo ambiental, o lazer, entre outros.

O tratamento da doença de CMT centraliza-se na prevenção e/ou no controlo das incapacidades que a doença determina. Uma vez que o conjunto de sintomas/queixas apresentados são muito variados de caso para caso, não existe tratamento igual (conservador e /ou cirúrgico) para todos os doentes.

Pelo contrário, o tratamento terá de ser avaliado de acordo com a idade, as deformidades articulares, a gravidade de todo o quadro clínico, o desequilíbrio existente e o curso natural da doença (inicio precoce ou tardio, evolução rápida ou lenta).

Em alguns casos é útil recorrer á cirurgia, sendo difícil de determinar o melhor momento para a realizar. A cirurgia poderá trazer bastantes benefícios, mas só deve ser decidida depois da definição de objectivos funcionais bem precisos e de discutida entre o cirurgião, o fisiatra e outros médicos envolvidos no acompanhamento de cada doente

A equipa responsável pelo acompanhamento do doente conta com médico, enfermeiros, terapeutas, assistente social e psicólogo. O doente deverá participar activamente do seu programa de Reabilitação, bem como a sua família.

O conteúdo dos programas de Reabilitação varia. Consistem em exercícios isométricos e isótonicos de baixa a moderada intensidade que irão permitir ao doente um aumento de força muscular, a diminuição de massa gorda e uma melhor condição cardio-respiratória. O uso de TENS (neuroestimulação eléctrica transcutânea), frequentemente utilizada na redução da dor, foi estudado nesta patologia e os resultados apontam também no sentido do aumento da força muscular. A nível da manutenção das amplitudes e correcção da postura, mostraram ser benefícios os exercícios de relaxamento e flexibilidade (mobilização articular e posicionamentos passivos).

Os treinos funcionais consistem em exercícios de preparação para situações do dia-a-dia precavendo dificuldades que possam surgir ao doente. A equipa de reabilitação pretende, por exemplo, preparar e melhor a capacidade do doente na marcha, com ou sem uso de ortóteses, melhorar a sua mobilidade no leito e nas transferências e noutras tarefas como subir e descer escadas, levantar ou sentar cadeiras. Outro dos treinos que se podem e devem realizar é o de quedas e o de levante após as quedas.

As ortóteses são aparelhos que auxiliam ou facilitam uma função. Para esta doença. O tipo de ortóteses a utilizar deve ser avaliado em cada caso. As mais frequentemente utilizadas são as ortóteses de punho, as ortóteses de tornozelo-pé (AFO) e as ortóteses foot-up. Apesar de se verificar que grande parte dos doentes não adere ao uso de ortóteses, os estudos mais recentes mostram que o uso de ortóteses tornoelo-pé evita o desenvolvimento de contracturas e oferece segurança na marcha do doente. Pode ainda estar indicado o uso de palmilhas, de sapatos especiais/adaptados, maiores ou com biqueira larga, permitindo uma melhor adaptação á deformidades dos pés e menor número de lesões.

Em casos de doença mais avançada, pode ser necessária uma visita domiciliária. Isto é, visita ao domicilio por uma equipa formada pelo médico, enfermeiro, e assistente social no sentido de avaliar quais as necessidades que existem em casa do doente e que podem ser ultrapassadas com o uso de determinados diapositivos, avaliar a eventual necessidade de uma equipa de enfermagem para prestação de cuidados, e se, necessário oferecer orientação a nível de apoio social.

Existem muitos dispositivos de apoio que podem auxiliar o doente em actividades do dia-a-dia. A sua indicação deverá ser avaliada por um médico fisiatra. O mesmo se aplica aos auxiliares de marcha, cuja diversidade obriga a uma avaliação cuidada e ponderada em cada caso.